O que são Patentes?
Passear com o cachorro e lavar arroz já originaram Patentes*
Há uma frase, atribuída a Steve Jobs, um dos fundadores da Apple: “Você deve ter paixão por uma ideia ou problema que quer resolver”.
De fato, o mundo está cheio de “ideias”,
mas... nem todas se tornam realidade.
No tema em questão, cabe perguntar: qualquer “ideia” pode se transformar em uma patente?
Certamente que não, porém...
algumas patentes surgiram em momentos singelos, como um despretensioso passeio com um cachorro e o preparo de uma refeição.
Certa vez, o suíço Georges de Mestral percebeu que as sementes do arctium (o popular carrapicho) colavam constantemente em suas roupas e nos pelos de seu cão, durante suas caminhadas diárias pelos Alpes.
Examinando parte do material em um microscópio, foi possível distinguir diversos filamentos entrelaçados em pequenos ganchos, os quais causavam grande aderência aos tecidos.
A partir desta pesquisa, De Mestral fundou a sua própria empresa, a Velcro S.A, e explorou comercialmente uma tecnologia nunca antes vista, que o tornou um multimilionário, ao vender cerca de 55.000 km do material, por ano.
Outro exemplo, é o conhecido “lava arroz” ou “escorredor de arroz”. Nem todos sabem, mas foi a brasileira Therezinha Beatriz Alves de Andrade Zorowich, que idealizou essa inovação.
Antes da atual forma popular, idealizada por Therezinha Zorowich, havia outros recipientes, mas que não ajudavam muito na simples atividade de lavagem e escorrimento de arroz.
Assim, por meio de significativa melhoria funcional no seu uso, a inovação trouxe bastante facilidade, em gande parte dos lares, no mundo inteiro.
A partir destes exemplos, podem ser extraídos alguns conceitos sobre patentes.
Em primeiro lugar, conforme a Lei de Propriedade Industrial (LPI)[1], uma invenção patenteável deve atender aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial (art. 8º).
Por sua vez, um modelo de utilidade patenteável é “o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação” (art. 9º).
Observam-se, portanto, duas espécies de patentes, na legislação brasileira:
- as invenções; e
- os modelo de utilidade.
As invenções referem-se a novas soluções para problemas técnicos específicos, dentro de um determinado campo tecnológico. É o caso do “tecido velcro”, inventado por Georges de Mestral.
Já os modelos de utilidade são novas formas ou disposições em objetos de uso prático, ou partes destes, visando melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação. É o caso do “escorredor de arroz”, idealizado por Therezinha Zorowich.
Através destes dois exemplos, também é possível extrair outros conceitos importantes do sistema de patentes. O primeiro deles é o de que nem tudo o que é “inventado” pode ser objeto de proteção. Isto porque, há diversas limitações legais.
Por exemplo, as descobertas não podem ser consideradas como invenção ou modelo de utilidade. Assim, no caso do velcro, o simples fato de descobrir que as sementes de carrapicho colavam nas roupas e nos pelos do cão, não seria passível de proteção por patente.
Na verdade, o objeto de proteção foi o efetivo desenvolvimento do material, que ofereceu a inteligente solução dada pelo suíço Georges de Mestral a um problema técnico: um novo tecido, que revolucionou a maneira de fechar roupas ou unir objetos, uns aos outros.
Assim, a solução proposta, no caso do velcro, mereceu a respectiva proteção legal por ter sido efetivamente desenvolvida. Isto é, além da novidade, descreveu suficientemente os demais requisitos de atividade inventiva e aplicação industrial.
Dessa maneira, também não são passíveis de patenteamento as concepções puramente abstratas. No exemplo brasileiro do modelo de utilidade, a inventora Therezinha Zorowich não poderia apresentar uma simples concepção abstrata do “escorredor de arroz”.
Ao contrário, para obter a patente, foi necessário descrever, em detalhes, a nova forma ou disposição do objeto de uso prático, a aplicação industrial, e o ato inventivo empregado para a melhoria funcional no uso ou fabricação.
Dizendo de forma mais explícita, a vedação às concepções puramente abstratas significa que não é possível “patentear uma ideia”.
Também, existem muitos outros aspectos, que podem ser encontrados na LPI.
Por exemplo, não se consideram invenção nem modelo de utilidade:
- teorias científicas ou métodos matemáticos;
- esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;
- as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética;
- os programas de computador em si;
- as apresentação de informações;
- as regras de jogo; e
- as técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal.
Ademais, também há vedações sobre:
- o que for contrário à moral, bons costumes, segurança, ordem e à saúde públicas;
- as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie, bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os respectivos processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do núcleo atômico; e
- o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) e que não sejam mera descoberta [2]
Sobre o prazo de vigência, a LPI estabelece o período de 20 anos para as patentes de invenção e 15 anos para os modelos de utilidade, contados da data de depósito do pedido.
A partir destes conceitos básicos, esperamos ter esclarecido um pouco sobre O que são Patentes.
Contudo, se o assunto ainda é novo para você e há o desejo de entender, um pouco mais, sobre como pode ser aplicado, no setor onde atua, deixamos as seguintes Questões para reflexão:
1. Em
sua empresa, ou plano de negócios em elaboração, há potenciais soluções para problemas
técnicos que podem resultar em patentes? Há absoluta certeza de que estes
problemas ainda não foram solucionados por outras empresas ou inventores
independentes (ou seja, estamos “reinventando a roda”)?
2. Estas soluções são absolutamente novas (patentes de invenção) ou constituem nova forma ou disposição para um objeto, que resulte na melhoria funcional de seu uso ou fabricação (patentes de modelos de utilidade)?
3. Quais
são as vantagens destas potenciais invenções em relação às soluções já
existentes no mercado? Em outras palavras, qual a contribuição mínima que a
tecnologia oferta como diferencial competitivo?
4. Quais
são as desvantagens ou restrições destas potenciais invenções?
5. Em
quais segmentos de mercado estas soluções podem ser úteis? Nestes segmentos, há
possibilidade de firmar parcerias com outras empresas privadas, ou mesmo
instituições públicas? Há intenção de firmar contratos de licenciamento?
6. Há
intenção de comercializar a tecnologia apenas no Brasil? Caso a opção seja pela
internacionalização de mercados, quais os possíveis países de interesse?
7. Qual
a estimativa de recursos financeiros e humanos a serem dispendidos para
desenvolver estas soluções técnicas? Haverá necessidade de pensar em
financiamento destes recursos?
8. Antes
de efetuada a proteção jurídica, algum integrante da empresa, ou pessoa que
planeja o negócio futuro, comentou, revelou detalhes ou fez alguma apresentação
sobre a futura patente? Em tal caso, foi firmado Termo de Confidencialidade?
9. Estes marcos teóricos sobre Patentes foram úteis ao seu atual empreendimento ou plano de negócios em elaboração?
Finalmente, você deve ter notado que, em diversos momentos deste texto, falou-se em inovação.
Mas, afinal…
Referências:
[1] A Lei nº
9.279, de 14 de maio de 1996 regula direitos e obrigações relativos à propriedade
industrial.
[2] As vedações citadas constam dos artigos 10 e 18, da LPI. No primeiro, não há que se falar em patente ou modelo de utilidade em face da ausência de um dos requisitos legais (novidade, atividade ou ato inventivo e aplicação industrial) em todos as situações elencadas. No segundo caso, ainda que estejam presentes estes três requisitos, a legislação brasileira não permite a proteção legal
*Texto adaptado do meu livro Arbitragem em propriedade intelectual, publicado pelo Editorial Juruá (Curitiba e Porto, 2019).
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