domingo, 30 de outubro de 2022

Direitos Intelectuais - Ep. 03 Inovação

O que é Inovação?

Bases Conceituais e Sistema Nacional de Inovação*

 Muito tem sido comentado, nas diversas mídias, sobre inovações que estão revolucionando nosso modo de vida.

 Já virou clichê falar no Uber e em como o click no celular vem substituindo o aceno ao táxi.

Outro exemplo recorrente é o Airbnb e a grande mudança cultural na forma de reservar hospedagens. 

 Para citar mais um caso, há a iFood, empresa inicialmente impulsionada por uma start up, de alunos da Unicamp, que trouxe, à palma da mão, os pedidos de entrega rápida pela internet.

 Todos estes desenvolvimentos constituem o que conhecemos hoje por “inovação”.

 Mas, afinal, o que é inovação? Seríamos capazes de dizer, com precisão, o que é este fenômeno, sem recorrer aos exemplos previamente formulados?

 Quantas vezes já se ouviu dizer que é preciso ter um modelo de negócios que seja “inovador”?

 Mais que isto, em quantas oportunidades o termo “inovação” foi colocado em pauta, mas sem que houvesse uma preocupação mínima em dizer o que isto, de fato, significa?

 Estas perguntas revelam um equívoco metodológico bastante frequente, que é o de tratar de um determinado tema, sem estabelecer, com precisão, as suas bases conceituais.

 No limite, isto pode causar alguma confusão. Imagine, por exemplo, uma conversa onde os interlocutores defendem pontos de vista, totalmente diversos, pensando que estão tratando do mesmo assunto...

 Para evitar esta e outras situações, preparamos este material básico sobre inovação.

 Primeiramente, cabe ressaltar que a inovação é um fenômeno complexo, constituindo objeto de sofisticação por vários fatores como a natureza da tecnologia, a internacionalização da produção de bens e serviços, a difusão do conhecimento e a real capacidade organizacional das instituições.[1]

 Dessa forma, convém lembrar o óbvio: estamos vivendo um momento histórico de profundas transformações sociais, em que se valoriza o conhecimento de forma muito mais intensa do que no século passado. No início dos anos de 1950, cada vez mais se aceitava que a industrialização seria a principal estratégia de desenvolvimento.[2]

 Acontece que, a partir do processo de esgotamento do modelo fordista-taylorista do final do século XX, surgiram os conceitos de “sociedade e economia do conhecimento”, ou “sociedade e economia da informação”, os quais vêm sendo desenvolvidos para descrever: 

i) as indústrias da informação, onde tudo pode ser digitalizado; 

ii) o conhecimento considerado como insumo de produção; e 

iii) a nova dinâmica socioeconômica baseada no conhecimento.[3]

 Neste mesmo sentido, Peter Drucker, na importante obra A Sociedade Pós-capitalista, ressalta que este contexto de transição da economia capitalista passa pela mudança radical do conceito de conhecimento. Esta transformação foi impulsionada como que da noite para o dia, tanto no Ocidente quanto no Oriente. Assim, o conhecimento, que sempre foi visto como aplicável ao “ser”, passou a ser aplicado ao “fazer”, tornando-se um recurso utilitário.

 Conforme proposto pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - no Manual de Oslo: Proposta de Diretrizes para Coleta e Interpretação de Dados sobre Inovação Tecnológica – essa “Economia baseada em conhecimento" se refere às tendenências econômicas de maior dependência do conhecimento, informação e altos níveis de especialização (...)”.[4]

 Para a OCDE, o conceito de inovação tem concepção bastante abrangente, compreendendo quatro grandes grupos:

(i)            inovações de produto;

(ii)          inovações de processo;

(iii)         inovações organizacionais; e

(iv)         inovações de marketing.


 O conceito de inovação, proposto pelo Manual de Oslo, é o seguinte:

 “Uma inovação é a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas” (OCDE, 1997).

 Assim, as inovações de produto incluem bens e serviços totalmente novos e, ainda, os aperfeiçoamentos importantes para produtos já existentes, envolvendo mudanças significativas em suas potencialidades.

 As inovações de processo representam mudanças significativas nos métodos de produção e de distribuição, visando majoritariamente à redução de custos de produção e distribuição, melhoria da qualidade ou produção de produtos novos ou aperfeiçoados.

 Já as inovações de marketing envolvem a implementação de novos métodos de marketing, incluindo mudanças no design do produto e na embalagem, na promoção do produto e sua colocação, e em métodos de estabelecimento de preços de bens e de serviços.

 Por fim, as Inovações Organizacionais envolvem a implementação de novos métodos organizacionais, tais como mudanças em práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas da empresa.

 Além disso, o próprio Manual de Oslo pontua que:

“(...) a inovação é um processo contínuo, e, portanto, difícil de ser mensurado, particularmente para empresas cujas atividades de inovação são caracterizadas sobretudo por mudanças pequenas e incrementais (...) ”

 O Manual também define a inovação radical ou disruptiva como sendo a que causa um impacto significativo em um mercado e na atividade econômica das empresas nesse mercado.

 Em outras palavras, uma inovação disruptiva (ou radical) apresenta proposição de novo valor, tanto criando um novo mercado, quanto reformulando mercados já existentes.[5]

 Por sua vez, a inovação incremental encontra-se no lado diametralmente oposto da inovação radical ou disruptiva, uma vez que envolve pequenas alterações ou ajustes em práticas previamente existentes na empresa ou indústria, não sendo algo particularmente novo ou excepcional.[6]

 Estes dois conceitos de inovação radical ou disruptiva e inovação incremental também foram incorporados pela Lei de Inovação brasileira, promulgada em 2004.

 Esta legislação, inicialmente, conceituou a inovação como a “introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social que resulte em novos produtos, processos ou serviços”.[7]

Recentemente, por meio de ampla atualização dos dispositivos da Lei de Inovação, houve preocupação do legislador em sublinhar que também se considera como inovação: “a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho”.[8]

 Enfim, além dos conceitos de inovação de produto, processo, organizacional e marketing, em resumo, temos: 

 (i) inovação radical ou disruptiva: causa um impacto significativo em um mercado e na atividade econômica das empresas nesse mercado; e

  (ii) inovação incremental: consiste em uma série de pequenas mudanças

 Além da Lei de Inovação, observa-se que os conceitos de inovação radical ou disruptiva e inovação incremental já estavam presentes em nosso ordenamento jurídico por meio da Lei do bem[9], em uma tentativa de conceituar o que seria “inovação tecnológica”:

 CAPÍTULO III - DOS INCENTIVOS À INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

 Art. 17(...), § 1o Considera-se inovação tecnológica a concepção de novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando maior competitividade no mercado.

 Acontece que, muito recentemente (em 2015), com o objetivo de alçar as medidas de incentivo à inovação a um patamar mais elevado, a própria Constituição Federal também foi alterada,[4] merecendo destaque o seguinte:

Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação.

Art. 219. (...)

Parágrafo único. O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia

Art. 219-B. O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) será organizado em regime de colaboração entre entes, tanto públicos quanto privados, com vistas a promover o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação.

 É justamente neste âmbito que crescem em importância os chamados Núcleos de Inovação Tecnológica (NIT) e as Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICT), no sistema de inovação brasileiro.

 Assim, os conceitos de NIT e ICT foram recentemente atualizados e, de acordo com a revisão do “novo marco legal para a Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil” (Lei 13.243/2016), são os seguintes:

Art. 2o Para os efeitos desta Lei, considera-se:

(...)

V - Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT): órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta ou pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos legalmente constituída sob as leis brasileiras, com sede e foro no País, que inclua em sua missão institucional ou em seu objetivo social ou estatutário a pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos;

 VI - Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT): estrutura instituída por uma ou mais ICTs, com ou sem personalidade jurídica própria, que tenha por finalidade a gestão de política institucional de inovação e por competências mínimas as atribuições previstas nesta Lei.

 Em relação às ICT, segundo os dados mais recentemente publicados, pelo Ministério da Ciência Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o Brasil dispõe de 305 instituições, sendo 209 públicas e 96 da iniciativa privada. Ainda, de acordo com este levantamento, no que diz respeito à natureza dessas instituições, 2,9% são municipais, 29,7% estaduais e 67,5% federais.

 Destacando as potencialidades estratégicas dos NIT, podem ser citados alguns exemplos, conforme o rol de atribuições do art. 16, da Lei de Inovação: (i) zelar pela manutenção da política de inovação (ii) avaliar e classificar resultados de atividades e projetos de pesquisa; (iii) opinar pela conveniência e promover a proteção de desenvolvimentos; (iv) opinar sobre a conveniência de divulgação de desenvolvimentos passíveis de proteção intelectual; (v) acompanhar o processamento de pedidos de patentes; (vi) desenvolver estudos de prospecção tecnológica; (vii)  desenvolver estudos de inteligência competitiva; (viii) desenvolver estudos e estratégias de transferência de tecnologia; (ix) promover e acompanhar o relacionamento das ICT com empresas; e (x) negociar e gerir acordos de transferência de tecnologia.

 Certamente, todo este regramento e políticas sobre inovação são muito bem-vindos!

 Entretanto, ainda há muito a ser feito para impulsionar a inovação, no Brasil, dado que ocupamos a 54ª posição, entre os 132 países, catalogados no índice global de inovação de 2022.

 Esta posição é inaceitável em função do tamanho e recursos que o Brasil possui, contrastando, ainda, com o fato de ser uma das 10 maiores economias mundiais.

 Dentre as condicionantes capazes de mudar para melhor este quadro, cremos que há um forte componente cultural a ser fortalecido em empresas, dos mais diversos segmentos e tamanhos.

 Pensando nisso, caso a inovação ainda não tenha “entrado no radar” de sua atividade empreendedora, deixamos as seguintes Questões para reflexão:

1. Em sua empresa ou plano de negócios, quais são os produtos ou serviços com maior potencial de inovação?

2. Estes produtos ou serviços podem gerar inovações radicais ou incrementais?

3. Existem atuais ou potenciais caminhos para outros tipos de inovação (de processo, de marketing ou organizacional)? Quais são eles?

4. Estes marcos teóricos sobre “inovação” foram úteis ao seu atual empreendimento ou plano de negócios em elaboração?



Referências:

[1] TERUYA, Dirceu Yoshikazu, LIMA, Araken Alves de, WINTER, Eduardo. O papel da propriedade intelectual no processo inovativo. In: Gestão da inovação e competitividade no Brasil: da teoria para a prática. Org.: Proença, Adriano et al. Porto Alegre: Bookman, 2015.

[2] LATINI, Sydney A. A implantação da indústria automobilística no Brasil: da substituição de importações ativa à globalização passiva. São Paulo: Alaúde Editorial, 2007.

[3] TIGRE, Paulo Bastos. Gestão da Inovação: a economia da tecnologia no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.

[4] O Manual de Oslo (OCDE, 1997) é a referência conceitual e metodológica mais utilizada atualmente para analisar o processo de gestão da inovação (TIGRE, 2014, p. 74). Assim, muito embora existam outros autores tratando do tema, para fins deste estudo, adotaremos os conceitos propostos pela OCDE.

[5] CHRISTENSEN, C. M., ANTHONY, S. D., ROTH, E. A. O futuro da inovação: usando as teorias da inovação para prever mudanças no mercado. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

[6] SCHILLING, Melissa A. Strategic management of technological innovationCingapura: McGraw-Hill, 2013.

[7] Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências

[8] Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004, art. 2º, inciso IV, in fine, conforme redação pela Lei nº 13.243, de 11 de janeiro de 2016.

[9] Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005.

[10] Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015.

* Texto inspirado no capítulo “Uma análise de possibilidades estratégicas de transferência de tecnologia em Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação do setor de Defesa Nacional”, que tive a grata oportunidade de escrever com o Doutor Josias Azeredo e o Mestre Bruno Peixoto, publicado no livro “Inovação e Contratos de Tecnologia”, pela Editora Lumen Juris (Rio de Janeiro, 2022). 


sábado, 29 de outubro de 2022

Direitos Intelectuais - Ep. 02 Patentes

O que são Patentes?

Passear com o cachorro e lavar arroz já originaram Patentes*

 Há uma frase, atribuída a Steve Jobs, um dos fundadores da Apple: “Você deve ter paixão por uma ideia ou problema que quer resolver”.

 De fato, o mundo está cheio de “ideias”, mas... nem todas se tornam realidade.

 No tema em questão, cabe perguntar: qualquer “ideia” pode se transformar em uma patente?

 Certamente que não, porém... 

algumas patentes surgiram em momentos singelos, como um despretensioso passeio com um cachorro e o preparo de uma refeição.


 Certa vez, o suíço Georges de Mestral percebeu que as sementes do arctium (o popular carrapicho) colavam constantemente em suas roupas e nos pelos de seu cão, durante suas caminhadas diárias pelos Alpes.

 Examinando parte do material em um microscópio, foi possível distinguir diversos filamentos entrelaçados em pequenos ganchos, os quais causavam grande aderência aos tecidos.

 A partir desta pesquisa, De Mestral fundou a sua própria empresa, a Velcro S.A, e explorou comercialmente uma tecnologia nunca antes vista, que o tornou um multimilionário, ao vender cerca de 55.000 km do material, por ano.

 Outro exemplo, é o conhecido “lava arroz” ou “escorredor de arroz”. Nem todos sabem, mas foi a brasileira Therezinha Beatriz Alves de Andrade Zorowich, que idealizou essa inovação.

 Antes da atual forma popular, idealizada por Therezinha Zorowich, havia outros recipientes, mas que não ajudavam muito na simples atividade de lavagem e escorrimento de arroz.

 Assim, por meio de significativa melhoria funcional no seu uso, a inovação trouxe bastante facilidade, em gande parte dos lares, no mundo inteiro.

 A partir destes exemplos, podem ser extraídos alguns conceitos sobre patentes.

 Em primeiro lugar, conforme a Lei de Propriedade Industrial (LPI)[1], uma invenção patenteável deve atender aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial (art. 8º).

 Por sua vez, um modelo de utilidade patenteável é “o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação” (art. 9º).

 Observam-se, portanto, duas espécies de patentes, na legislação brasileira: 

  • as invenções; e
  • os modelo de utilidade.

 As invenções referem-se a novas soluções para problemas técnicos específicos, dentro de um determinado campo tecnológico. É o caso do “tecido velcro”, inventado por Georges de Mestral.

 Já os modelos de utilidade são novas formas ou disposições em objetos de uso prático, ou partes destes, visando melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação. É o caso do “escorredor de arroz”, idealizado por Therezinha Zorowich.

 Através destes dois exemplos, também é possível extrair outros conceitos importantes do sistema de patentes. O primeiro deles é o de que nem tudo o que é “inventado” pode ser objeto de proteção. Isto porque, há diversas limitações legais.

 Por exemplo, as descobertas não podem ser consideradas como invenção ou modelo de utilidade. Assim, no caso do velcro, o simples fato de descobrir que as sementes de carrapicho colavam nas roupas e nos pelos do cão, não seria passível de proteção por patente.

 Na verdade, o objeto de proteção foi o efetivo desenvolvimento do material, que ofereceu a inteligente solução dada pelo suíço Georges de Mestral a um problema técnico: um novo tecido, que revolucionou a maneira de fechar roupas ou unir objetos, uns aos outros.

 Assim, a solução proposta, no caso do velcro, mereceu a respectiva proteção legal por ter sido efetivamente desenvolvida. Isto é, além da novidade, descreveu suficientemente os demais requisitos de atividade inventiva e aplicação industrial.

 Dessa maneira, também não são passíveis de patenteamento as concepções puramente abstratas. No exemplo brasileiro do modelo de utilidade, a inventora Therezinha Zorowich não poderia apresentar uma simples concepção abstrata do “escorredor de arroz”.

 Ao contrário, para obter a patente, foi necessário descrever, em detalhes, a nova forma ou disposição do objeto de uso prático, a aplicação industrial, e o ato inventivo empregado para a melhoria funcional no uso ou fabricação.

 Dizendo de forma mais explícita, a vedação às concepções puramente abstratas significa que não é possível “patentear uma ideia”.

 Também, existem muitos outros aspectos, que podem ser encontrados na LPI

 Por exemplo, não se consideram invenção nem modelo de utilidade:

  • teorias científicas ou métodos matemáticos; 
  • esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização; 
  • as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética; 
  • os programas de computador em si; 
  • as apresentação de informações; 
  • as regras de jogo;
  • as técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal.

 Ademais, também há vedações sobre

  • o que for contrário à moral, bons costumes, segurança, ordem e à saúde públicas; 
  • as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie, bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os respectivos processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do núcleo atômico; e
  • o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) e que não sejam mera descoberta [2]

 Sobre o prazo de vigência, a LPI estabelece o período de 20 anos para as patentes de invenção e 15 anos para os modelos de utilidade, contados da data de depósito do pedido.

 A partir destes conceitos básicos, esperamos ter esclarecido um pouco sobre O que são Patentes.

 Contudo, se o assunto ainda é novo para você e há o desejo de entender, um pouco mais, sobre como pode ser aplicado, no setor onde atua, deixamos as seguintes Questões para reflexão:

1. Em sua empresa, ou plano de negócios em elaboração, há potenciais soluções para problemas técnicos que podem resultar em patentes? Há absoluta certeza de que estes problemas ainda não foram solucionados por outras empresas ou inventores independentes (ou seja, estamos “reinventando a roda”)?

2. Estas soluções são absolutamente novas (patentes de invenção) ou constituem nova forma ou disposição para um objeto, que resulte na melhoria funcional de seu uso ou fabricação (patentes de modelos de utilidade)?

3. Quais são as vantagens destas potenciais invenções em relação às soluções já existentes no mercado? Em outras palavras, qual a contribuição mínima que a tecnologia oferta como diferencial competitivo?

4. Quais são as desvantagens ou restrições destas potenciais invenções?

5. Em quais segmentos de mercado estas soluções podem ser úteis? Nestes segmentos, há possibilidade de firmar parcerias com outras empresas privadas, ou mesmo instituições públicas? Há intenção de firmar contratos de licenciamento?

6. Há intenção de comercializar a tecnologia apenas no Brasil? Caso a opção seja pela internacionalização de mercados, quais os possíveis países de interesse?

7. Qual a estimativa de recursos financeiros e humanos a serem dispendidos para desenvolver estas soluções técnicas? Haverá necessidade de pensar em financiamento destes recursos?

8. Antes de efetuada a proteção jurídica, algum integrante da empresa, ou pessoa que planeja o negócio futuro, comentou, revelou detalhes ou fez alguma apresentação sobre a futura patente? Em tal caso, foi firmado Termo de Confidencialidade?

9. Estes marcos teóricos sobre Patentes foram úteis ao seu atual empreendimento ou plano de negócios em elaboração? 


Finalmente, você deve ter notado que, em diversos momentos deste texto, falou-se em inovação.

Mas, afinal…

O que é inovação?





Referências:

[1] A Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.

[2] As vedações citadas constam dos artigos 10 e 18, da LPI. No primeiro, não há que se falar em patente ou modelo de utilidade em face da ausência de um dos requisitos legais (novidade, atividade ou ato inventivo e aplicação industrial) em todos as situações elencadas. No segundo caso, ainda que estejam presentes estes três requisitos, a legislação brasileira não permite a proteção legal

*Texto adaptado do meu livro Arbitragem em propriedade intelectual, publicado pelo Editorial Juruá (Curitiba e Porto, 2019).

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Direitos Intelectuais - Ep. 01 Propriedade Intelectual

O que é Propriedade Intelectual?

Lições de Propriedade Intelectual em Homem de Ferro 2*

 O segundo volume da trilogia do Homem de Ferro abre com belíssimas cenas da armadura Mark V, voando pelos céus de Manhattan. Essas imagens são um presente, tanto para aqueles que leram os quadrinhos no século passado, sem sequer sonhar com esta produção épica, quanto para os mais jovens, que recebem as releituras contemporâneas do universo dos super-heróis Marvel.

 Além dos lindos efeitos especiais e da intrigante saga do Homem de Ferro, o cinema também pode ajudar a compreender um pouco mais sobre o que é Propriedade Intelectual.

 Após assumir publicamente sua identidade secreta, o personagem vivido por Robert Downey Jr discursa, na Stark Expo:

- O que importa é legado! O que importa é o que decidimos deixar para as gerações futuras! E é por isso que, no próximo ano, os melhores e mais brilhantes homens e mulheres, de países e empresas, do mundo inteiro, unirão seus recursos e dividirão sua visão para construir, assim, um futuro melhor!

 Toda essa animação perde um pouco o ímpeto, quando uma jovem oficial de justiça entrega a Stark uma intimação de comparecimento, logo na manhã seguinte, à Comissão das Forças Armadas do Senado estadunidense.

 Em Washington DC, o presidente da Comissão, Senador Stern, indaga a Tony se ele possui uma “arma especializada”, o que o Homem de Ferro procura desconversar... a Comissão chama Justin Hammer, o principal fornecedor de produtos de Defesa para o Governo Federal, que faz breve e provocativo depoimento. 

 Além do CEO das Hammer Industries, a Comissão convoca o Tenente-Coronel James Rhodes, militar da Força Aérea, que figurou como aliado do Homem de Ferro, desde o episódio anterior.

 O Senador Stern determina que o Coronel Rhodes leia um pequeno trecho de um relatório, que poderia colocar Stark em cheque, perante à opinião pública. Trata-se, obviamente, de uma cilada, para caracterizar o Homem de Ferro como “uma ameaça potencial à segurança do País e aos seus interesses”.

 Para piorar a situação, Stern ordena que sejam exibidas imagens, captadas pelo Serviço de Inteligência, com tentativas de outros países em realizar cópias da poderosa armadura. Isto confirmaria, de fato, o Homem de Ferro como “ameaça à Segurança Nacional”.

 A reação inesperada do protagonista, no entanto, vira o jogo! Por meio de seu celular, Tony assume o controle da apresentação, passando a exibir outras imagens. Agora, fica claro para todos, que as tentativas de cópia de sua armadura são um verdadeiro fiasco, não chegando aos pés das tecnologias das Indústrias Stark. Com esta nova perspectiva, o herói da série retoma a palavra:

- Eu acho que deveriam me agradecer! Eu sou uma garantia de segurança!

- Está funcionando! Estamos seguros! A América está segura!

- Quer a minha propriedade? Não vai ter!

 Diante de seu excelente desempenho nessa audiência, uma coisa é certa: o Homem de Ferro jamais cederá a qualquer pressão, para revelar os pormenores tecnológicos de sua armadura de guerra.

 Mas... fica a pergunta: será mesmo que estamos falando de propriedadeEm outras palavras: estariam essas poderosas tecnologias protegidas pela propriedade intelectual?

 Para começar a responder, é preciso considerar algumas bases desse sistema de proteção. Em primeiro lugar, vejamos o que diz a Convenção, que instituiu a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI):

ARTIGO 2.º

Definições

Para os fins da presente Convenção, entende-se por:

viii) Propriedade intelectual, os direitos relativos: às obras literárias, artísticas e científicas; às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão; às invenções em todos os domínios da atividade humana; as descobertas científicas; os desenhos e modelos industriais; às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais; à proteção contra a concorrência desleal e “todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.

 Como se vê, a OMPI não conceituou formalmente o que é propriedade intelectual, apresentando um rol meramente exemplificativo de direitos.

 Historicamente, o conceito de propriedade intelectual representou uma dicotomia formada pela propriedade industrial e pelo direito autoral. Sobre a primeira dimensão, encontramos, na Lei de Propriedade Industrial (LPI)[1] os seguintes instrumentos jurídicos: patentes, marcas, desenho industrial e indicações geográficas.

 Quanto ao direito autoral, além das obras citadas exemplificativamente no art. 7º, da Lei de Direitos Autorais (LDA),[2] há os direitos conexos dos intérpretes de obras intelectuais, os direitos da indústria difusora de obras e, mais recentemente, os programas de computador ou softwares, que são considerados como obras literárias para fins de proteção jurídica.[3]

 Porém, o conceito de propriedade intelectual rompeu a mencionada dicotomia, uma vez que, modernamente, tem surgido outros conjuntos de direitos que não se amoldam perfeitamente à propriedade industrial ou ao direito autoral.

 Como exemplos destes direitos que são únicos em seu próprio gênero – e que, portanto, são denominados com a expressão latina de sui generis – podemos citar: as topografias de circuitos integrados;[4] as cultivares;[5] e os conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade.[6]

 Portanto, atualmente, a propriedade intelectual compreende três dimensões distintas:

·         propriedade industrial;

·         direito autoral; e

·         direitos sui generis.

 Seja em que dimensão for, os diversos instrumentos jurídicos de propriedade intelectual possuem o traço comum de serem reconhecidos pelo Estado. Dessa forma, em geral, são expressos por meio de um título de propriedade: carta patente; registros de marca, desenho industrial, programa de computador, topografia de circuito integrado; entre outros).[7]

 Além disto, a concessão dos direitos de propriedade intelectual, pelo Estado, também importa, em geral, na divulgação de seu conteúdo ao conjunto da sociedade, por meio do acesso a bancos de dados que deverão estar disponíveis para livre consulta.

 Então, voltando às perguntas...

 se estamos diante de propriedade ou, mais precisamente, de propriedade intelectual...

 as respostas só podem ser negativas.

 Isto porque, como se nota do tenso diálogo estabelecido na Comissão das Forças Armadas do Senado estadunidense, as tecnologias do Homem de Ferro permanecem sob a esfera do conhecimento privado das Indústrias Stark.

 Aliás, permanecem e assim continuarão ad infinitum, no que depender de Tony Stark, constituindo, de fato, um segredo industrial.

 Obviamente, existem motivações diversas que levam ao amadurecimento da estratégia empresarial neste ponto específico: propriedade ou segredo. Para algumas empresas, pode ser interessante optar indiscriminadamente pela proteção conferida através da propriedade intelectual. Para outras, talvez a melhor opção seja buscar o caminho alternativo do segredo industrial.

 Mesmo dentro de determinada empresa, alguns bens podem ter estratégias diferenciadas, sendo uns protegidos pela propriedade intelectual e outros mantidos em sigilo.

 Em outra perspectiva, um único produto e/ou processo pode ser conservado em segredo industrial em fases iniciais de sua concepção e, mais à frente, vislumbrar-se que possa ser protegido formalmente pela propriedade intelectual. Enfim, não há uma única regra que sirva a todos os casos. Da mesma forma, os impactos em se adotar um ou outro caminho também são diferentes.

 Desta importante discussão, extrai-se que realizar a opção estratégica entre um ou outro caminho não é assunto trivial. Isto porque, a proteção formal pelo sistema de propriedade intelectual ou a eficaz manutenção do segredo importa na valoração de diversos fatores.

 Sob o ponto de vista jurídico, esta avaliação, por um lado, deve considerar que a propriedade intelectual possui a vantagem de ser conferido um título jurídico pelo Estado (expresso na carta patente ou nos certificados de registro). A desvantagem, contudo, reside na limitação temporal. No caso das patentes, por exemplo, o prazo máximo de exploração é de 20 anos.

 De outro lado, o segredo industrial, por não se sujeitar a prazos, tem a vantagem de perpetuação no tempo. Além disso, muito embora não constitua propriedade, esta opção também possui certa proteção legal

 Segundo esse regime, quem divulga, explora ou utiliza segredo industrial obtido por meios ilícios ou fraudulentos, comete crime de concorrência desleal, conforme dispõe o art. 195, da LPI:

“Comete crime de concorrência desleal quem:

XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;

XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude”. 

Entretanto, para que o regime de proteção ao segredo industrial produza efeitos, é necessário que existam meios e real intenção em resguardá-lo. Do contrário, pode-se interpretar que, mesmo sendo de conhecimento restrito, não chegou a configurar um segredo.

 No caso em estudo, desde o início da trilogia, o Homem de Ferro, considerando que já não poderia mais confiar em ninguém, atribuiu os seus segredos tecnológicos exclusivamente à inteligência artificial JARVIS

 Conforme as regras existentes no sitema internacional, esta necessidade de tomar as precauções devidas, para guarda do segredo, encontra previsão, no conjunto de acordos a serem observados pelos países-membros da Organização Mundial do Comércio (OMC).

 Assim, conforme o Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights -  Acordo TRIPS:

“Artigo 39 1. Ao assegurar proteção efetiva contra competição desleal, como disposto no ARTIGO 10bis da Convenção de Paris (1967), os Membros protegerão informação confidencial de acordo com o parágrafo 2 abaixo, e informação submetida a Governos ou a Agências Governamentais, de acordo com o parágrafo 3 abaixo.

2. Pessoas físicas e jurídicas terão a possibilidade de evitar que informação legalmente sob seu controle seja divulgada, adquirida ou usada por terceiros, sem seu consentimento, de maneira contrária a práticas comerciais honestas, desde que tal informação: a) seja secreta, no sentido de que não seja conhecida em geral nem facilmente acessível a pessoas de círculos que normalmente lidam com o tipo de informação em questão, seja como um todo, seja na configuração e montagem específicas de seus componentes; b) tenha valor comercial por ser secreta; e c) tenha sido objeto de precauções razoáveis, nas circunstâncias, pela pessoa legalmente em controle da informação, para mantê-la secreta”. 

 De outro lado, um ponto específico a ser considerarado é o aspecto econômico-financeiro. Neste particular, as empresas devem levantar os potenciais custos e benefícios. Isto deve ser feito, tanto sobre as implicações de utilizar o sistema de propriedade intelectual, quanto em relação aos processos internos que terão de implementar e manter, caso queiram guardar a tecnologia em segredo.

 Enfim, como se buscou ilustrar pela linguagem do cinema, a exclusividade da poderosa armadura de guerra do super-herói ocorre pelo segredo industrial e não pela propriedade.

 De fato, a opção das Indústrias Stark, pelo segredo industrial, parece bastante compreensível.

  Mas... no mundo real... como é de se esperar, nem sempre é tão simples...

 Em que pese a existência de extensa e complexa legislação brasileira sobre propriedade intelectual, constata-se, ainda, a falta de cultura organizacional, que permita utilizar os variados instrumentos de forma mais efetiva.

 Pensando nisto, deixamos as seguintes questões para reflexão:

1. Em sua empresa ou plano de negócios em elaboração, há conhecimentos, que podem ser considerados como de valor estratégico ou sensível?

2. Estes conhecimentos estratégicos já causaram o seguinte dilema: devo guardá-los em segredo industrial ou será melhor protegê-los pelo sistema de propriedade intelectual?

3. De que forma os concorrentes, em seu ramo de negócio, protegem os produtos e processos comercializados?

4. Estes conceitos básicos sobre propriedade intelectual foram úteis ao seu atual empreendimento ou plano de negócios em elaboração?


 Por fim, também deixamos o gancho de uma fala da personagem Virgínia Pepper, já sob a forte pressão do cargo de CEO das Indústrias Stark:

- Temos os melhores advogados de patentes! E não podemos processá-los? 

 Isto nos leva à uma outra reflexão, sobre este intrigante instrumento de propriedade intelectual:

 O que são patentes?



Referências:

[1] A Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.

[2] A Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.

[3] A Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998 dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador, sua comercialização no País, e dá outras providências.

[4] A Lei no 11.484, de 31 de maio de 2007 dispõe sobre a proteção à propriedade intelectual das topografias de circuitos integrados.

[5] A Lei nº 9.546, de 25 de abril 1997 institui a Proteção de Cultivares.

[6] A Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015 dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade.

 [7] No caso dos direitos autorais, muito embora o art. 18, da Lei nº 9.610/1998, disponha que este regime de proteção ocorra independentemente de registro, é bastante comum que se busque resguardar prova de anterioridade, por meio de publicação de obras em diversos formatos, por exemplo com o uso de tecnologia blockchain.

*Texto adaptado do meu capítulo Proteção do conhecimento em tecnologias de Defesa Nacional: perspectivas a partir da obra “Homem de Ferro 2”, que tive a oportunidade de contribuir para o livro A propriedade intelectual na visão do cinema: olhares interdisciplinares, organizado pelo professor Carlos Ardissone e publicado pela Editora Lumen Juris (Rio de Janeiro, 2022).


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