O que é Inovação?
Bases Conceituais e Sistema Nacional de Inovação*
Muito
tem sido comentado, nas diversas mídias, sobre inovações que estão revolucionando nosso
modo de vida.
Já virou clichê falar no Uber e em como o click no celular vem substituindo o aceno ao táxi.
Outro exemplo recorrente é o Airbnb e a grande mudança cultural na forma de reservar hospedagens.
Para citar mais um caso, há a iFood, empresa inicialmente impulsionada por uma start up, de alunos da Unicamp, que trouxe, à palma da mão, os pedidos de entrega rápida pela internet.
Todos estes desenvolvimentos constituem o que conhecemos hoje por “inovação”.
Mas,
afinal, o que é inovação? Seríamos capazes de dizer, com precisão, o que é este
fenômeno, sem recorrer aos exemplos previamente formulados?
Quantas
vezes já se ouviu dizer que é preciso ter um modelo de negócios que seja “inovador”?
Mais que
isto, em quantas oportunidades o termo “inovação” foi colocado em pauta, mas sem que houvesse uma
preocupação mínima em dizer o que isto, de fato, significa?
Estas
perguntas revelam um equívoco metodológico bastante frequente, que é o de
tratar de um determinado tema, sem estabelecer, com precisão, as suas bases conceituais.
No limite, isto pode causar alguma confusão. Imagine, por exemplo, uma conversa onde os interlocutores defendem pontos de vista, totalmente diversos, pensando que estão tratando do mesmo assunto...
Para evitar esta e outras situações, preparamos este material básico sobre inovação.
Primeiramente, cabe ressaltar que a inovação é um fenômeno complexo, constituindo objeto de sofisticação por vários fatores como a natureza da tecnologia, a internacionalização da produção de bens e serviços, a difusão do conhecimento e a real capacidade organizacional das instituições.[1]
Dessa forma, convém lembrar o óbvio: estamos vivendo um momento histórico de profundas transformações sociais, em que se valoriza o conhecimento de forma muito mais intensa do que no século passado. No início dos anos de 1950, cada vez mais se aceitava que a industrialização seria a principal estratégia de desenvolvimento.[2]
Acontece que, a partir do processo de esgotamento do modelo fordista-taylorista do final do século XX, surgiram os conceitos de “sociedade e economia do conhecimento”, ou “sociedade e economia da informação”, os quais vêm sendo desenvolvidos para descrever:
i) as indústrias da informação, onde tudo pode ser digitalizado;
ii) o conhecimento considerado como insumo de produção; e
iii) a nova dinâmica socioeconômica baseada no conhecimento.[3]
Neste mesmo sentido, Peter Drucker, na importante obra A Sociedade Pós-capitalista, ressalta que este contexto de transição da economia capitalista passa pela mudança radical do conceito de conhecimento. Esta transformação foi impulsionada como que da noite para o dia, tanto no Ocidente quanto no Oriente. Assim, o conhecimento, que sempre foi visto como aplicável ao “ser”, passou a ser aplicado ao “fazer”, tornando-se um recurso utilitário.
Conforme proposto pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - no Manual de Oslo: Proposta de Diretrizes para Coleta e Interpretação de Dados sobre Inovação Tecnológica – essa “Economia baseada em conhecimento" se refere às tendenências econômicas de maior dependência do conhecimento, informação e altos níveis de especialização (...)”.[4]
Para a OCDE, o conceito de inovação tem concepção bastante abrangente, compreendendo quatro grandes grupos:
(i)
inovações
de produto;
(ii)
inovações
de processo;
(iii)
inovações
organizacionais; e
(iv)
inovações de marketing.
O conceito de inovação, proposto pelo Manual de Oslo, é o seguinte:
“Uma inovação é a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas” (OCDE, 1997).
Assim, as inovações de produto incluem bens e serviços totalmente novos e, ainda, os aperfeiçoamentos importantes para produtos já existentes, envolvendo mudanças significativas em suas potencialidades.
As inovações de processo representam mudanças significativas nos métodos de produção e de distribuição, visando majoritariamente à redução de custos de produção e distribuição, melhoria da qualidade ou produção de produtos novos ou aperfeiçoados.
Já as inovações de marketing envolvem a implementação de novos métodos de marketing, incluindo mudanças no design do produto e na embalagem, na promoção do produto e sua colocação, e em métodos de estabelecimento de preços de bens e de serviços.
Por fim, as Inovações Organizacionais envolvem a implementação de novos métodos organizacionais, tais como mudanças em práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas da empresa.
Além disso, o próprio Manual de Oslo pontua que:
“(...) a inovação é um processo contínuo, e, portanto, difícil de ser mensurado, particularmente para empresas cujas atividades de inovação são caracterizadas sobretudo por mudanças pequenas e incrementais (...) ”
O Manual também define a inovação radical ou disruptiva como sendo a que causa um impacto significativo em um mercado e na atividade econômica das empresas nesse mercado.
Em outras palavras, uma inovação disruptiva (ou radical) apresenta proposição de novo valor, tanto criando um novo mercado, quanto reformulando mercados já existentes.[5]
Por sua vez, a inovação incremental encontra-se no lado diametralmente oposto da inovação radical ou disruptiva, uma vez que envolve pequenas alterações ou ajustes em práticas previamente existentes na empresa ou indústria, não sendo algo particularmente novo ou excepcional.[6]
Estes dois conceitos de inovação radical ou disruptiva e inovação incremental também foram incorporados pela Lei de Inovação brasileira, promulgada em 2004.
Esta legislação, inicialmente, conceituou a inovação como a “introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social que resulte em novos produtos, processos ou serviços”.[7]
Recentemente, por meio de ampla atualização dos dispositivos da Lei de Inovação, houve preocupação do legislador em sublinhar que também se considera como inovação: “a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho”.[8]
Enfim, além dos conceitos de inovação de produto, processo, organizacional e marketing, em resumo, temos:
(i) inovação radical ou disruptiva: causa um impacto significativo em um mercado e na atividade econômica das empresas nesse mercado; e
(ii) inovação incremental: consiste em uma série de pequenas mudanças
Além da Lei de Inovação, observa-se que os conceitos de inovação radical ou disruptiva e inovação incremental já estavam presentes em nosso ordenamento jurídico por meio da “Lei do bem”[9], em uma tentativa de conceituar o que seria “inovação tecnológica”:
CAPÍTULO III - DOS INCENTIVOS À INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
Art. 17(...), § 1o Considera-se inovação tecnológica a concepção de novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando maior competitividade no mercado.
Acontece que, muito recentemente (em 2015), com o objetivo de alçar as medidas de incentivo à inovação a um patamar mais elevado, a própria Constituição Federal também foi alterada,[4] merecendo destaque o seguinte:
Art.
218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa,
a capacitação científica e tecnológica e a inovação.
Art. 219. (...)
Parágrafo
único. O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos
demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de
demais ambientes promotores da inovação,
a atuação dos inventores independentes
e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia.
Art. 219-B. O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) será organizado em regime de colaboração entre entes, tanto públicos quanto privados, com vistas a promover o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação.
É justamente neste âmbito que crescem em importância os chamados Núcleos de Inovação Tecnológica (NIT) e as Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICT), no sistema de inovação brasileiro.
Assim, os conceitos de NIT e ICT foram recentemente atualizados e, de acordo com a revisão do “novo marco legal para a Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil” (Lei 13.243/2016), são os seguintes:
Art. 2o
Para os efeitos desta Lei, considera-se:
(...)
V - Instituição Científica, Tecnológica e de
Inovação (ICT): órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta
ou pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos legalmente
constituída sob as leis brasileiras, com sede e foro no País, que inclua em sua
missão institucional ou em seu objetivo social ou estatutário a pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços
ou processos;
VI - Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT): estrutura instituída por uma ou mais ICTs, com ou sem personalidade jurídica própria, que tenha por finalidade a gestão de política institucional de inovação e por competências mínimas as atribuições previstas nesta Lei.
Em relação às ICT, segundo os dados mais recentemente publicados, pelo Ministério da Ciência Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o Brasil dispõe de 305 instituições, sendo 209 públicas e 96 da iniciativa privada. Ainda, de acordo com este levantamento, no que diz respeito à natureza dessas instituições, 2,9% são municipais, 29,7% estaduais e 67,5% federais.
Destacando as potencialidades estratégicas dos NIT, podem ser citados alguns exemplos, conforme o rol de atribuições do art. 16, da Lei de Inovação: (i) zelar pela manutenção da política de inovação (ii) avaliar e classificar resultados de atividades e projetos de pesquisa; (iii) opinar pela conveniência e promover a proteção de desenvolvimentos; (iv) opinar sobre a conveniência de divulgação de desenvolvimentos passíveis de proteção intelectual; (v) acompanhar o processamento de pedidos de patentes; (vi) desenvolver estudos de prospecção tecnológica; (vii) desenvolver estudos de inteligência competitiva; (viii) desenvolver estudos e estratégias de transferência de tecnologia; (ix) promover e acompanhar o relacionamento das ICT com empresas; e (x) negociar e gerir acordos de transferência de tecnologia.
Certamente, todo este regramento e políticas sobre inovação são muito bem-vindos!
Entretanto, ainda há muito a ser feito para impulsionar a inovação, no Brasil, dado que ocupamos a 54ª posição, entre os 132 países, catalogados no índice global de inovação de 2022.
Esta posição é inaceitável em função do tamanho e recursos que o Brasil possui, contrastando, ainda, com o fato de ser uma das 10 maiores economias mundiais.
Dentre as condicionantes capazes de mudar para melhor este quadro, cremos que há um forte componente cultural a ser fortalecido em empresas, dos mais diversos segmentos e tamanhos.
Pensando nisso, caso a inovação ainda não tenha “entrado no radar” de sua atividade empreendedora, deixamos as seguintes Questões para reflexão:
1. Em
sua empresa ou plano de negócios, quais são os produtos ou serviços com maior
potencial de inovação?
2. Estes
produtos ou serviços podem gerar inovações radicais
ou incrementais?
3.
Existem atuais ou potenciais caminhos para outros tipos de inovação (de
processo, de marketing ou
organizacional)? Quais são eles?
4. Estes
marcos teóricos sobre “inovação” foram úteis ao seu atual empreendimento ou
plano de negócios em elaboração?
[1] TERUYA, Dirceu Yoshikazu, LIMA, Araken Alves de,
WINTER, Eduardo. O papel da propriedade intelectual no processo inovativo. In: Gestão
da inovação e competitividade no Brasil: da teoria para a prática. Org.:
Proença, Adriano et al. Porto Alegre: Bookman, 2015.
[2] LATINI,
Sydney A. A implantação da indústria automobilística no Brasil: da substituição
de importações ativa à globalização passiva. São Paulo: Alaúde Editorial, 2007.
[3] TIGRE, Paulo Bastos. Gestão da Inovação: a economia da tecnologia no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
[4] O Manual de Oslo (OCDE, 1997) é a referência conceitual e metodológica mais utilizada atualmente para analisar o processo de gestão da inovação (TIGRE, 2014, p. 74). Assim, muito embora existam outros autores tratando do tema, para fins deste estudo, adotaremos os conceitos propostos pela OCDE.
[5] CHRISTENSEN, C. M., ANTHONY, S. D., ROTH, E. A. O futuro da inovação: usando as teorias da inovação para prever mudanças no mercado. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
[6] SCHILLING, Melissa A. Strategic management of technological innovation. Cingapura: McGraw-Hill, 2013.
[7] Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências
[8] Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004, art. 2º, inciso IV, in fine, conforme redação pela Lei nº 13.243, de 11 de janeiro de 2016.
* Texto inspirado
no capítulo “Uma análise de possibilidades estratégicas de transferência de tecnologia em Instituições Científicas,
Tecnológicas e de Inovação do setor de Defesa Nacional”, que tive a grata
oportunidade de escrever com o Doutor Josias Azeredo e o Mestre Bruno Peixoto, publicado
no livro “Inovação e Contratos de Tecnologia”, pela Editora Lumen Juris
(Rio de Janeiro, 2022).